Mortes por meningite no Ceará mais do que dobram nos primeiros meses de 2024
O Ceará registrou um aumento no número de mortes por meningite nos primeiros meses de 2024. Até o dia 6 de julho foram identificados 17 óbitos em decorrência da patologia no Estado, índice que representa mais do que o dobro do quantitativo identificado no mesmo período de 2023, quando foram observados sete casos do tipo.
Dados constam em planilha da Secretaria de Saúde estadual (Sesa) referente à Semana 27, que considera o período de 30/06/2024 a 06/07/2024. Conforme documento, a unidade federativa acumulou 162 casos da doença até a primeira semana de julho. No mesmo intervalo de tempo do ano passado, foram 200 registros.
José Cândido, infectologista que atua no Hospital São José, explica que a meningite é ocasionada pela infecção das membranas que circundam e protegem o nosso cérebro.
Conforme Ministério da Saúde (MS), a doença pode ser dividida em quatro grupos: as bacterianas, provocadas por bactérias, as virais, transmitidas por vírus, as fúngicas, adquiridas por meio de fungos, e aquela causadas por parasitas.
Nesse contexto, o especialista pontua que a mais preocupante delas é a infecção por bactérias, que pode provocar a chamada meningite por pneumococos, a meningite H por Haemophilus e a meningite meningocócica. Elas variam entre si em decorrência do agente infeccioso.
Ainda segundo José Cândido, entre as patologias desse tipo há uma que necessita de uma maior atenção devido aos riscos que traz: a meningocócia.
“O grande temor da meningite meningocócica é sua característica invasiva e uma alta de evolução para uma forma mais grave, uma doença não apenas restrita ao cérebro, mas que pode se espalhar pelo corpo e causar um quadro de infecção generalizada”, diz.
No geral, o profissional destaca que pacientes com meningite podem apresentar sinais como incapacidade de encostar o queixo no peito, febre alta, dor de cabeça, sonolência e desmaios.
De acordo com dados da Sesa, entre as infecções que foram registradas neste ano no Estado oito foram de doença meningocócica e outras 154 são de outros tipos de meningites. Em relação aos óbitos registrados, uma morte foi em decorrência da patologia meningocócica e 16 das demais.
Já sobre a idade das pessoas que morreram em decorrência da doença no Ceará em 2024, as faixas etárias de 5 a 9 anos e de 50 a 59 anos acumulam cinco casos, respectivamente, conforme pasta da saúde.
Vanuza Chagas, médica pediatra, pontua que os casos em crianças preocupam, principalmente pela imaturidade do sistema imunológico que elas têm, o que leva à baixa formação de anticorpos.
“A meningite é uma doença potencialmente grave em qualquer idade, e principalmente na criança, até pela imaturidade do sistema imunológico. Pode se apresentar com quadro clínico grave e deixar sequelas como surdez, danos cerebrais irreversíveis, sequelas motoras e até amputação de membros”, frisa.
Veja como ocorre a transmissão:
Meningite bacteriana: geralmente, as bactérias que causam meningite bacteriana se espalham de uma pessoa para outra por meio das vias respiratórias, por gotículas e secreções do nariz e da garganta. Já outras bactérias podem se espalhar por meio dos alimentos, como é o caso da Listeria monocytogenes e da Escherichia coli.
Meningite viral: podem ser transmitidas de diversas maneiras a depender do vírus causador da doença. No caso dos Enterovírus, a contaminação é fecal-oral, e os vírus podem ser adquiridos por contato próximo (tocar ou apertar as mãos) com uma pessoa infectada; tocar em objetos ou superfícies que contenham o vírus e depois tocar nos olhos, nariz ou boca antes de lavar as mãos.
Meningite causada por fungos: a meningite fúngica não é transmitida de pessoa para pessoa. Geralmente os fungos são adquiridos por meio da inalação dos esporos (pequenos pedaços de fungos) que entram nos pulmões e podem chegar até as meninges.
Meningite causada por parasitas: os parasitas que causam meningite não são transmitidos de uma pessoa para outra, e normalmente infectam animais e não pessoas. As pessoas são infectadas pela ingestão de produtos ou alimentos contaminados que tenha a forma ou a fase infecciosa do parasita.
Fonte: Ministério da Saúde.
Mais da metade dos óbitos foram registrados no Interior
Conforme a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), até junho de 2024 Fortaleza registrou seis casos da doença e um óbito. Balanço considera, contudo, somente “as principais meningites importantes para a saúde pública”, como H por Haemophilus, meningite por meningocócica e meningite por pneumococos.
Já considerando todos os tipos da doença, por meio da planilha divulgada pela Sesa é possível perceber que a Capital registrou ao todo 83 casos da enfermidade até o dia 6 de julho de 2024. Número representa 51% de todos as 162 infecções registradas na unidade federativa até o mesmo período.
Em relação aos óbitos, no entanto, o Município registra seis mortes entre todas as que foram identificadas no período analisado. Índice mostra um aumento no comparativo ao mesmo período do ano passado, onde foram registradas duas mortes do tipo. No geral, mais da metade dos casos de falecimento em decorrência da doença (9) neste ano estão distribuídos no interior do Estado.
O infectologista José Cândido explica que áreas situadas nessa região têm “alguns vazios assistenciais que contribuem para o quadro de mortalidade”. Especialista pontua que o exame necessário para fazer o diagnóstico nem sempre está disponível nos hospitais, por exemplo, o que atrasa o tratamento dos pacientes.
“Na suspeita o tratamente deve ser efetuado o quanto antes. Muitas vezes (residentes do Interior) são pessoas que moram mais afastadas, então a gente tem dificuldade do acesso para uma avaliação”, diz.
Distribuição de óbitos por cidades cearenses (até 6/7/2024)
Fortaleza: 6
Caucaia: 2
Canindé: 1
Aracati: 1
Quixadá: 1
Quixeramobim: 1
Viçosa do Ceará: 1
Camocim: 1
Crato: 2
Meruoca: 1
Quadra chuvosa prolongada e cobertura vacinal abaixo do ideal podem estar por trás do aumento
Ainda de acordo com o médico José Cândido, a quadra chuvosa de 2024 no Ceará pode ter contribuído para o aumento dos óbitos. “Neste ano nós tivemos uma quadra chuvosa mais prolongada, e quanto mais prolongada mais as pessoas ficam aglomeradas em ambientes pequenos, em ambientes fechados, e isso predispõe uma transmissibilidade maior”, explica o especialista.
Além disso, o infectologista destaca que os índices atuais de cobertura vacinal também podem ter influenciado nos óbitos. Ele explica que só há vacinas para as meningites bacterianas (consideradas mais graves) e que o ideal é que cobertura de vacinação ultrapasse 90%.
No entanto, conforme dados do IntegraSUS, plataforma da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), atualizados até a sexta-feira, 19, a média da cobertura vacinal da vacina Meningocócica C referente ao período de janeiro a junho está em 69% no Estado.
Resultado é superior à média nacional, que está em 65%, mas ainda está abaixo da meta de cobertura, que é 95%. Analisando as coberturas por mês, a Secretaria destaca que “houve um maior percentual de vacinação em janeiro e junho de 2024, com 100% e 92%, respectivamente”.
“A vacinação é extremamente importante quando a gente fala de prevenção, as vacinas que previnem a meningite já começam a ser ministradas bem precocemente na vida das nossas crianças, a partir de seis meses já são aplicadas as primeiras doses. [Imunizantes] Constituem um papel primordial pra gente conseguir fazer um controle e diminuir os óbitos por meningite”, destaca o médico José Cândido.
A vacina Meningocócica C integra o calendário nacional de vacinação desde 2010, sendo ofertada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nas salas de vacinas das unidades básicas de saúde.
O Programa Nacional de Imunização também disponibiliza outras vacinas que protegem contra meningite, como BCG, Pentavalente, Pneumocócica 10v para crianças menores de 5 anos de idade e Meningocócica Acwy para crianças e adolescentes de 11 a 14 anos de idade.
De acordo com Sesa, a pasta tem monitorado e supervisionado as estratégias de vacinação mediante os planos municipais.
“Atualmente, os 184 municípios [cearenses] possuem um plano de ação que norteia as atividades de vacinação no Estado. Uma destas programações são os dias D de mobilização, realizados mensalmente aos sábados, objetivando oportunizar a atualização da caderneta vacinal e garantir uma maior adesão à vacinação”, destaca órgão em nota.
Fonte: O Povo